sexta-feira, 22 de junho de 2012

BOLERO PARAGUAYO PARA DOLORES JOANA




O Celso Loch, nosso Diretor Musical,
 é meu parceiro de há muitos e muitos anos 
e escreveu a letra acima para a cena da Dolores. 
Simplesmente genial!
Grande Celso!
Parabéns!



sexta-feira, 15 de junho de 2012

PARA PENSAR SOBRE O SERAFIM



Aniversário

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


15/10/1929


Os versos acima, declamados pelo ator PAULO AUTRAN, forma escritos pelo poeta Fernando Pessoa com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro " - Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - RJ 1972, pág. 379.
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NOTAS DO AUTOR E DIRETOR  SOBRE A PEÇA


Estamos trabalhando um texto, uma peça, que tem como protagonista um homem velho. Um poeta que chegou um dia, depois de muito caminhar pelo tempo de sua vida, numa praia no fim de seu caminho. Com ele vieram suas pegadas desde os tempos de menino, atrás dele, marcadas uma a uma. E cada pegada dessas, deixadas na areia do tempo, é uma cicatriz. Ali, em cada marca, em cada quadradinho de espelho (Spécula) da chuva de suas lembranças, estão várias das personagens que compuseram a música de sua vida. Ali estão o batom da primeira prostituta - Joana e/ou Dolores, seu nome de guerra, que ensinou minúcias tristes do amor ao menino. Ali estão os cobradores, com suas regras deste nosso mundo real tão inóspito às almas mais delicadas, mais sensíveis. Ali está a cidade, há um tempo mãe e também madrasta que ensina a visão do outro. Ali estão reunidas figuras que ensinaram ao velho Serafim os muitos caminhos do mundo, suas escolhas e preço de cada uma de suas opções. São retratos dele recortados de sua memória. Seus pecados, suas glórias. Seus passos passados por milhas e trilhas, por sertões e capitais, águias e urubus, mandingas e mandacarus, em busca da sua palavra perdida. O encontro consigo mesmo em oposto (Mifares), juiz mais crítico, advogado do diabo, que lhe impõem - como todos nós nos impomos - consciência de si mesmo. Sair de uma "ilha" em busca do outro, impelido pelo amor, que coisa mais difícil! Tarefa dura. Mifares o faz sair da casca. Ele mesmo se provoca ao atirar-se ao mar e ir ao encontro do outro, pois "aprender sobre si consigo mesmo é impossível! você só aprende com os outros, Serafim!". E, por fim, vem a Lua, (Selene) a madrinha de nossos sonhos beijar-lhe a testa sombria em rugas. Dar-lhe o beijo do descanso final e irrecorrível, tão merecido por todos nós, a morte. Diz-lhe, a madrinha, tendo o velho Serafim ao seu colo: Vem! ...Vem meu filho! Vem até aqui, criança! E descansa em meu colo tua cabeça. Mas, traz contigo os teus sonhos, menino, não esqueça! Traz teus sonhos que contigo viajaram sempre, não os deixe nunca, não os perca! Eles, os teus sonhos, são de tua alma o alimento! Não os perca nunca, em nenhum momento! E é isso o que faz o velho quando lhe "entrega sua palavra - a poesia - e segue seu novo caminho” daqui para outro planeta".

Enéas Lour
Curitiba, 15 de junho de 2012.